segunda-feira, 25 de março de 2013

O coelho que queria casar com a lagarta



era maior este coelho
simplesmente maior e melhor
até mesmo do que a própria fama
de ser maior e melhor
do que ele próprio
num passado que ainda sonha
 
a simplicidade eterniza os insectos
talvez os mais pequenos
esquecidos da ignorância
de ser quase nada

na pureza das nuvens
não se ouvem indecorosas palavras
terá que andar curvo este coelho?
para ouvir o nervoso bater das asas
dos demais vermes que rastejam
aos pés da vergonha de ser pequeno

curvo, velho ou apenas com medo
de ser lagarta escondida
numa fruta já podre
de há tanto tempo estar no chão
 
a vaidade adormece lentamente
o corpo já não conhece os campos
agora rasteja nas pétalas
da frustração de ser lagarta

…vagarosamente o dia acorda a metamorfose
de uma saudosa borboleta
a quem lhe cresceram orelhas de coelho
só me restam efémeras dúvidas
se serás suficientemente grande para isso…


e.m.


quinta-feira, 21 de março de 2013

A verdade está nas costas do poema


escrever um poema
que quer crescer
e um dia ser poesia

o poeta não quer ser homem
como a noite quer ser dia

nos ombros de uma página
nasce uma espécie de corpo
que não anda
ainda não ama
apenas uma dor intensa
de onde lhe brotam as pernas

é nas costas do poema
que está a verdade
no silêncio do espírito
o grito de virar uma página


do outro lado
deriva a alma sem trono

o poeta verga-se
ao poema que não fez
se já não fosse inocente
ainda desejava ser poesia

e.m

feliz dia mundial da poesia.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Filho!


quero que aprendas a voar
o mais alto que conseguires
eu serei a tua terra
quando as tuas asas humedecerem

estarei à espreita
quando brotarem as primeiras lágrimas
não chorarei contigo
tentarei que não chores amanhã
 
gosto de te ver crescer

orgulhoso
sento-me no beiral da casa velha
enquanto plantas os teus desejos
calcas as folhas
desordenas as sementes
e na impaciência de um filho
abraças o regador
como se ele te moldasse o destino

o silêncio de ser pai
ensurdece com a tua gargalhada
levanto-me, como quem renasce
e abraço-te
como se me moldasses o destino

se te perderes
estarei sentado no velho cadeirão
perto do teu destino

e.m.

segunda-feira, 18 de março de 2013

O Medo dos Dementes


homens sem medo
têm mais que uma morte
numa aclamação de sorte
na pura virgindade do desnorte

de joelhos
pedem mais que uma vida
adúlteros da poesia não lida
na peregrinação que se quer sofrida

os tementes e não os dementes
preferem mais que uma morte
à ilusão de variadas vidas

aprender na morte
que na vida sempre se morre
ignorantes os que não ressuscitam
os joelhos esvaem-se em sangue
trilhando a especulação

dos que vivem dos pobres


e.m.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O tempo de ser


não quero que me aplaudam
preciso que me indultem
a culpa, de não ser o espelho
ou o sentimento de ficar aquém
 
talvez amanhã
arranhem as expressões dos que te amam
quando apertar o peito
contra o punhal do que ficar desfeito

deixar para depois
quando depois já não houver  tempo

abri uma porta sem janela
os braços já não se estenderam
ou a criança se desiludiu
ou o tempo deixou de crescer
 
…jamais serei …
aquilo que não cheguei a ser


e.m.