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segunda-feira, 31 de março de 2014

Insubstituível - capítulo 1



Uma caixa de cartão numa das mãos. A outra, segurava a mão suja do filho de seis anos, que ainda não percebia porque é que os homens de gravata são maus. Procuravam ambos um destino, agora que o banco lhes ficara com a casa que não conseguiram pagar.
A caixa de cartão tinha apenas fotografias dos dois e um rato de pelúcia, amigo inseparável do pequeno Joaquim, na arte de adormecer sem pesadelos.
Não tinham para onde ir. Apenas uma amiga que morava em Carnaxide. Chamou um táxi, mesmo sabendo que não o podia pagar. É mais fácil fugir de um táxi do que de um autocarro.
No fundo acreditava na bondade dos homens. Ainda hoje acredita, mesmo depois de terem prendido o seu filho, por mais de vinte anos.
No banco de trás, os olhos fixavam o taxímetro, que teimava em criar uma dívida insuportável.
A viagem parecia ter terminado.
-São dezoito euros e vinte cêntimos – disse o taxista apressado
-Não tenho dinheiro nenhum – retorquiu, pedindo clemência.
O homem saiu do carro, ela levou a mão aos bolsos e desencantou no forro do casaco, dois euros e dois cêntimos.
-É tudo o que tenho - disse estendendo a mão - eram para o lanche do miúdo - acreditando na bondade dos homens.
O homem olhou fixamente para o decote de Maria, de onde sobressaiam os seios grandes e firmes, próprios de uma mulher nova e bonita. Levou a mão grosseira a um dos seios e apalpou-o várias vezes. Olhou em redor, assegurando-se que estariam sozinhos, comunicando-lhe em surdina a sua beneficência.
-Isto também é dinheiro - disse-lhe - usando agora as duas mãos.
Maria percebeu que fugir de uma dívida não é tão fácil como de um homem. Da caixa de cartão retirou o rato de pelúcia, colocando-o junto ao peito do pequeno Joaquim, acariciando-o.
-Cega e ensurdece, meu querido filho.
Foi com o corpo que Maria pagou a corrida. Fechou também ela os olhos e ouviu apenas um zumbido cristalino, que pensa ser do frio das lágrimas. Depois do orgasmo, fez-se silêncio, como sempre se faz, mesmo com os amantes.
Depois sentou-se num café e pediu uma sandes de manteiga e um leite com chocolate, que o miúdo já passara por muito.
Nessa noite, nem o pequeno rato de pelúcia evitou o primeiro pesadelo de Joaquim. 


continua... 


E.M. Valmont