Uma caixa de cartão numa das
mãos. A outra, segurava a mão suja do filho de seis anos, que ainda não
percebia porque é que os homens de gravata são maus. Procuravam ambos um
destino, agora que o banco lhes ficara com a casa que não conseguiram pagar.
A caixa de cartão tinha apenas fotografias dos
dois e um rato de pelúcia, amigo inseparável do pequeno Joaquim, na arte de
adormecer sem pesadelos.
Não tinham para onde ir. Apenas uma amiga que
morava em Carnaxide. Chamou um táxi, mesmo sabendo que não o podia pagar. É
mais fácil fugir de um táxi do que de um autocarro.
No fundo acreditava na bondade dos homens.
Ainda hoje acredita, mesmo depois de terem prendido o seu filho, por mais de
vinte anos.
No banco de trás, os olhos fixavam o taxímetro,
que teimava em criar uma dívida insuportável.
A viagem parecia ter terminado.
-São dezoito euros e vinte cêntimos – disse o
taxista apressado
-Não tenho dinheiro nenhum – retorquiu, pedindo
clemência.
O homem saiu do carro, ela levou a mão aos
bolsos e desencantou no forro do casaco, dois euros e dois cêntimos.
-É tudo o que tenho - disse estendendo a mão -
eram para o lanche do miúdo - acreditando na bondade dos homens.
O homem olhou fixamente para o decote de Maria,
de onde sobressaiam os seios grandes e firmes, próprios de uma mulher nova e
bonita. Levou a mão grosseira a um dos seios e apalpou-o várias vezes. Olhou em
redor, assegurando-se que estariam sozinhos, comunicando-lhe em surdina a sua beneficência.
-Isto também é dinheiro - disse-lhe - usando agora
as duas mãos.
Maria percebeu que fugir de uma dívida não é
tão fácil como de um homem. Da caixa de cartão retirou o rato de pelúcia, colocando-o
junto ao peito do pequeno Joaquim, acariciando-o.
-Cega e ensurdece, meu querido filho.
Foi com o corpo que Maria pagou a corrida. Fechou
também ela os olhos e ouviu apenas um zumbido cristalino, que pensa ser do frio
das lágrimas. Depois do orgasmo, fez-se silêncio, como sempre se faz, mesmo com
os amantes.
Depois sentou-se num café e pediu uma sandes de
manteiga e um leite com chocolate, que o miúdo já passara por muito.
Nessa noite, nem o pequeno rato de pelúcia
evitou o primeiro pesadelo de Joaquim.
continua...
E.M. Valmont