Os vizinhos falam com os olhos e
com os acenos, numa dose certa de cumprimento que não pode ser de mais, mas
também não pode ser de menos. Hoje dona Arminda olhou-me diferente de ontem. Em
passo acelerado vociferei como sempre – dona Armiiiiinda – como se ela fosse
para mim um princípio de um momento e que a minha voz ficasse a pairar no ar e
a seguisse para todo o lado, fazendo-lhe merecida companhia durante o dia. Hoje
ela não respondeu e num acesso de mais por menos sem aquele excesso de cuidar,
eu sabia que os olhos dela me pediam ajuda mesmo sem se lembrarem de quem eu
era. Naquele momento, ela não sabia quem era, não sabia quem foi, onde morava e
se ainda tinha alguém que a amava. Naquele momento, eu para ela era um
desconhecido e ela para mim passou a ser um pouco mais que uma simples vizinha,
numa dose de cumprimento que foi própria daquele preciso momento.