A noite está escura. Gosto de vir
para aqui, nas noites escuras, ver as vidas a serem vividas. Não vi o gato que
me vigiava e este encrespou-se assim que me aproximei. Acalmei-o com um pedaço
de pão que se esfarelava no bolso, depois sentei-me e ele sentou-se a meu lado,
como que reconhecendo que este observatório de vidas improvisado era
suficientemente grande para dois voyeurs nocturnos.
O filho da dona Arlinda fuma às
escondidas na marquise, o Serguei por vezes embebeda-se e bate na mulher que é
cabeleireira e precisa da vista. Quando não está bêbado é um amor, gosta de
ajudar o sr. Fernando a cuidar do jardim e de enamorar a Corália da mercearia. A
filha do Serguei é bastante nova, demasiado nova para fugir pela escada de
incêndio para ir fumar e fazer outras coisas começadas com efe, com o filho da
dona Arlinda. Eu e um gato preto, gozamos a noite e comemos migalhas de pão,
enquanto vemos as vidas deles a passarem em rodapé pelas nossas.