Ainda te escrevo cartas. Como as
que te escrevia, quando não se morria de desgosto. Gosto de pensar que gostas de
receber correio. Gosto de pensar que ainda gostas de mim, mesmo que eu esteja
dentro de uma carta manuscrita e não te possa agarrar e lamber, como te lambia,
quando não se morria de desgosto. Sei que esta carta pode ser recebida pelo
homem com quem vives e que isso vos poderá separar, mesmo que eu não possa sair
deste maldito envelope. É por isso que te escrevo uma carta manuscrita, comigo
lá dentro. Gosto de te ver furiosa, como nos dias em que não se morria de
desgosto. Não gosto de pensar que esse homem te toca, mesmo que ao de leve. Sei
que enquanto me estiveres a ler, não terás coragem de ser tocada. Também por
isso, a minha carta é tão extensa. Para que ele não te toque da mesma forma encantadora
que eu te tocava, quando não se morria de desgosto. Mas agora lê-me. Fá-lo
devagarinho, como se estivesses a morrer de desgosto. Será de novo o nosso
tempo. Será de novo uma tarde de calor, igual a muitas outras que passámos de
mão dada, quando era esse insidioso desgosto que morria por nós. Lê-me e finge
que sofres de solidão. Não tenho a certeza que me abras o envelope. Nem que me
queiras ler de novo. Não tenho a certeza que alguma vez me tenhas lido.
Ardeste-me sempre na fogueira mais próxima. Sinto que me voltaste a amarrotar.
Mais uma bola de papel encestada na lareira. Morri novamente…desta vez de
desgosto. Voltarei a escrever-me, quando sofreres de solidão.
E.M.Valmont
:')
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