Afinal a noite estava fria.
Demasiado fria para amar, sem ser correspondido. Uma noite normal, para quem
acabara de assassinar o seu padrasto com trinta e cinco facadas no bucho e mais
uma em cada olho. Assim tinha a certeza que ele jamais voltaria a olhar para
ela. Depois disso, não vira mais ninguém. Escondeu-se, sabendo que na sala de
bilhar já todos sabiam quem tinha assassinado o bibliotecário.
Perto do quiosque do velho Banzé
via-se a janela dela. As luzes estavam acesas e os estores ainda não tinham
sido corridos.
Chegou-se mais perto, assobiou de
forma trinada, como costumava fazê-lo para a chamar, quando faziam aqueles intermináveis
passeios à beira rio. Ela assomou-se à janela, logo que o viu, riu-se e
acenou-lhe, enviando-lhe três beijos seguidos. Despediram-se. Ele sabia que
nunca mais a iria ver. Ela pensava que era apenas mais uma noite e que no outro
dia, ele iria buscá-la à escola e voltaria a passear com ela à beira rio. Despediram-se.
Guardou na memória aquele riso sem os dentes da frente. Levou com ele os três
melhores beijos da sua vida. Escondeu-se na noite, à medida que ela corria os
estores da janela, até não sobrar nenhuma fresta, nem de janela, nem de
esperança.
Escondeu-se.
Nuno Miranda Torres
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