quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ramo de flores



Sabia que não iria chegar a horas. E como o simples facto de nunca chegar a horas, podia influir na vida de todos os que o rodeavam. A mulher, grávida do segundo filho, teria que se relembrar, em todos os quilómetros daquela estrada, dos anteriores abortos que tivera. E mais uma vez, relembraria tudo sozinha. E como foram dolorosos os anteriores abortos, quando sozinha, recebera a notícia de que não tinha sido capaz. Foi ela que se culpou da incapacidade que a vida lhes deu. Mais ninguém, apenas ela tivera a coragem egoísta de ter culpa . A solidão, nas más notícias, como que transfere a culpa para quem as ouve e não para as agruras da própria vida. Sem ninguém para partilhar a dor, sente-se a culpa da desgraça. Sente-se a náusea da perda e aquela sensação fortuita que provém da solidão mais pura. Essa pureza da solidão,  vem exactamente de quando não se quer estar legitimamente só.
Nesse dia, ele quis fazer diferente. Sabia que não chegaria a horas, mas pelo menos conseguiria estar no fim, altura onde se consolam os soldados e condecoram os generais . Não é preciso nenhuma coragem especial para estar apenas no fim do caminho. Nada que uma pitada de vergonha e medo não resolva a ausência.
Comprou flores. Aumentou o risco. O perfume das flores não combina com o sal das lágrimas. Arriscou tudo. Desta vez, tudo estaria bem e as flores seriam apenas para emoldurar o lindo sorriso da mulher. Pelo menos, era esse o seu desejo. As flores eram amarelas e verdes e pareciam bastante adequadas a uma qualquer situação de felicidade.
De flores em punho, ofegar próprio de quem nunca está a horas, percorreu o olhar de todas as mulheres da sala de espera, mas não encontrou aqueles olhos castanhos avelã, que ainda hoje o fazem seleccionar recantos de juventude.
Ficou parado no meio da sala de espera. O ramo de flores ainda estava viçoso. Ele segurava-o com força e com as duas mãos, como se o futuro deles dependesse da vida que o ramo emanava.
Abriram a porta do consultório. Ouviam-se vozes ao longe. Duas pétalas mais fracas desprenderam-se do caule que as sustinham e rodopiaram até ao chão, preparando uma espécie de manto flutuante.
Nesse dia, apenas aquelas duas pétalas já fracas, caíram no chão.


Nuno Miranda Torres

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