A lancheira era
de vime. Rangia à medida que os passos calcorreavam o caminho. Nas costas,
levava um tipo de alforges onde cabiam os cadernos, as réguas e os livros. Mas
essa parte nunca me interessou muito. A lancheira sim, cuidava dela como se
cuida da memória. A minha mãe caprichava no lanche, o que fazia de mim, o
centro das atenções naqueles intervalos de vinte minutos. Salazar sabia fazer
escolas primárias, a minha mãe sabia fazer lanches e eu sabia trocá-los por
beijos ou toques suaves em pequenos seios.
Ainda hoje, o
ranger do vime me devolve genuínos sorrisos, só conseguidos pelos sonhos e
pelas recordações. Trocava um papo-seco com fiambre por um beijo ou um croquete
por um toque de raspão nos seios. Em Outubro desse ano, chegaram paletes de
leite com chocolate de acesso gratuito a todos, o que me devolveu o ego às
recônditas caves do enamoramento. Malditos comunistas, dizia a Dona Natália. E
eu agora também o dizia. Eu que trocava pacotes de leite, por tardes de mão
dada.
Ana Margarida
era a miúda mais bonita da escola. Ela nunca quis o meu lanche, mesmo quando
levei aquele pão-de-leite cheio de tulicreme avelã e seis bombocas de morango. Estava
disposto a dar-lhe tudo. Tudo por um beijo. Nada de toques em seios, que ela
não era uma qualquer. Amava-a, como se amava um bom pão cheio de chocolate.
E.M.Valmonte
Tão bonito, Valmonte! :-)
ResponderEliminare assim foi a minha infância...
EliminarLembranças doces, como o recheio desse pão!
ResponderEliminarBeijinhos Marianos. E. M.! :)
é verdade que me lembro com saudade, de algumas peripécias de outros tempos
EliminarAh, um amor cheio de sabor!!
ResponderEliminarcomo todos os amores devem ser.
Eliminarobrigado