segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Amava-a, como se amava um bom pão cheio de chocolate




A lancheira era de vime. Rangia à medida que os passos calcorreavam o caminho. Nas costas, levava um tipo de alforges onde cabiam os cadernos, as réguas e os livros. Mas essa parte nunca me interessou muito. A lancheira sim, cuidava dela como se cuida da memória. A minha mãe caprichava no lanche, o que fazia de mim, o centro das atenções naqueles intervalos de vinte minutos. Salazar sabia fazer escolas primárias, a minha mãe sabia fazer lanches e eu sabia trocá-los por beijos ou toques suaves em pequenos seios.
Ainda hoje, o ranger do vime me devolve genuínos sorrisos, só conseguidos pelos sonhos e pelas recordações. Trocava um papo-seco com fiambre por um beijo ou um croquete por um toque de raspão nos seios. Em Outubro desse ano, chegaram paletes de leite com chocolate de acesso gratuito a todos, o que me devolveu o ego às recônditas caves do enamoramento. Malditos comunistas, dizia a Dona Natália. E eu agora também o dizia. Eu que trocava pacotes de leite, por tardes de mão dada.
Ana Margarida era a miúda mais bonita da escola. Ela nunca quis o meu lanche, mesmo quando levei aquele pão-de-leite cheio de tulicreme avelã e seis bombocas de morango. Estava disposto a dar-lhe tudo. Tudo por um beijo. Nada de toques em seios, que ela não era uma qualquer. Amava-a, como se amava um bom pão cheio de chocolate.

E.M.Valmonte

6 comentários:

  1. Lembranças doces, como o recheio desse pão!

    Beijinhos Marianos. E. M.! :)

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    1. é verdade que me lembro com saudade, de algumas peripécias de outros tempos

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  2. Ah, um amor cheio de sabor!!

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