terça-feira, 9 de setembro de 2014

Fios de missangas



Pois se o senhor não me levou à praia, ao surf e às raparigas de cabelo de ouro e de fios de missangas ao pescoço, como queria que eu casasse com uma mulher de bem? 
Levou-me para as terras altas e apresentou-me a outras raparigas, mesmo sabendo que aquelas não usavam fios de missangas e que o cabelo era descolorado. Elas não foram o que a minha mãe sempre quis para mim, mas não nos esqueçamos que foi com elas que aprendi a foder. E talvez tivesse aprendido mais depressa essa arte, do que propriamente a ler. A ler, aprendi com a dona Natália, que não queria saber mais de homens, depois de ter perdido o marido na guerra.
Só mais tarde percebi que o amor não vem do champagne, nem desses bordéis manhosos onde me trataram sempre por senhor doutor. Quando era pequeno, o chamamento de senhor doutor vinha por graça. Mais tarde, porque realmente extraí muita bala dos ombros dos chulos e das rótulas dos seguranças, tratavam-me respeitosamente e profissionalmente por senhor doutor. Para um chulo, dispara-se para a cabeça e para um segurança, para os joelhos. Uns são para matar, os outros apenas para vergar.
Amei algumas putas. 
Ameia-as, como se amam as mulheres puras, ou as outras que não sendo puras, também não são só putas, ou ainda as outras que não são mais nada, além de mulheres. Elas também me chegaram a amar. Uma de cada vez, à vez e a meias, no intervalo entre os clientes. Trabalhei no talho do senhor Francisco durante duas semanas. Precisava de ganhar dinheiro, não muito, mas o suficiente para ganhar afecto. Gastei o dinheiro em fios de missangas. Ofereci-os às mulheres que amei e fiz delas aquelas mulheres de bem, que a minha mãe sempre quis para mim.


E.M.Valmonte

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