quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cegueira

Mesmo ao domingo, Theodor passeava pelas melhores avenidas da cidade, de fato completo, gravata de seda do Panamá e sapatos Testoni. Também o domingo, o ex-dia da família, servia para passar pelo escritório para assinar uns papéis. Apenas mais uma aborrecida pilha de papéis, marcada indelevelmente pela vontade de reduzir operacionais, em prol da recuperação de mais um infalível banco.
Perto da sumptuosa entrada, um homem cego, espojado no chão, apenas com uma das mãos levantadas, pedindo os restos das migalhas das moedas, que rompem os bolsos de um qualquer fato Abercrombie.
Theodor chocalhou as moedas, desfilou-as na palma da mão, contando mentalmente o preço do prazer da humilhação. Atirou-as, como se leccionasse gratuitamente a essência do capitalismo.
-Quem quer dinheiro, que o procure…mesmo que não o veja, estando ou não estando, espalhado no empedrado - disse Theodor, gratificando o seu aluno ocasional.
O vagabundo, homem despedido do sistema bancário, cegueira provinda de uma catarata degenerativa, tresandava a mijo por falta de coragem, da boca, um hálito fétido a capitalismo mal curado.
-Esse seu capitalismo é uma bênção, senhor doutor – retorquindo em sinal de oração – pena que atraia tantos bandidos malfeitores – concluiu, como se conclui a insignificância.

E.M. Valmonte

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