O Pisco
Quando cheguei ao quarto do hospital, estavas vestido a rigor, quem sabe
para receber de gala este teu pai que tanto te gosta de ver. Na janela do
quarto, do lado de fora, um pisco embalava-te com uma generosa melodia.
Por serem os dois tão pequenos, admiravam-se, rodando a cabeça, cada vez
que um se mexia. Pareceu-me uma dança de pequenos seres dependentes, que se
pendiam um ao outro. Um voava, o outro sonhava. O pisco assustava-se com os
teus movimentos, mas voltava sempre chilreando as últimas novas, próprias de
quem voa e vê tudo lá de cima. Tu acalmavas sempre que ele chegava ao teu
parapeito, e ensinava-lo a crescer e a cuidar da alma dos outros.
Habituado a histórias de cavaleiros e dragões, hoje começámos a escrever as primeiras
letras de uma história de amizade entre um pássaro e um sonhador.
Talvez por serem os dois tão
pequenos, sonharam os dois tão alto.
Nuno Miranda de Torres
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