Lamber as lágrimas que escorrerem para o chão
Hoje limparam-te as feridas e arranjaram-te as cicatrizes das suturações. Arranjaram-te
o corpo das maldades sofridas, que os corpos consolam as mães, quando os filhos
regressam a casa. Parece que chegarás a casa, lá para o fim-de-semana. Já não vão
a tempo de te secar as lágrimas. Essas verteram na alma e só num daqueles verões
mais quentes é que poderão evaporar, de tanto que elas choraram.
Sofro por cada uma dessas cicatrizes que te decoram o corpo. Não te consegui livrar disso. E os
pais sofrem quando não livram os filhos de sofrer. São marcas, que já não te doem
e que talvez nunca me deixarão de doer. São marcas, que apenas passam do corpo.
Constantes memórias que a vida pode ser sempre pior, do que a própria memória
se pode lembrar.
Não te consegui livrar disso. Um dia saberás que não estava nas minhas
mãos. Saberás que tê-las-ia amputado, se eu soubesse que não sofrerias um só
segundo.
Mas não te consegui livrar disso.
Em casa também te limparemos as feridas. As do corpo e a outras que não
sangram. As tuas e as nossas. As feridas limpam-se em família. Aqui saberemos
de cor a cor do teu sangue. Lamberemos as lágrimas que escorrerem para o chão.
Apanharemos os teus pedaços e saberemos uni-los peça por peça. Rejubilamos sempre
quando a última peça encaixa.
Não te consegui livrar disso. Desculpa.
Resta-me abraçar-te e proteger-te com os braços. Ficaremos assim, até ao dia
em que as tuas lágrimas já não escorrerem para o chão. Pode ser que eu morra, antes que isso aconteça. Quero que continues a caminhar em frente, sem olhar para trás e nunca deixes que as tuas lágrimas se voltem a estatelar no chão.Se isso acontecer, estarei lá para lambê-las.
Nuno Miranda de Torres
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