Arrastava o corpo por entre as
estevas, agarrando-o pelos braços, deixando os pés fazerem uns sulcos que, com o
passar repetido dos corpos, ficavam cada vez mais fundos. Quando chegaram perto
do pinheiro manso, Francisco prendeu o braço do homem, que violara a sua irmã, a
uma árvore; enquanto limpava os restos, dos demónios anteriores, de cima da
pedra mármore, local sagrado onde costuma mostrar o Inferno às almas pecadoras.
Estava escuro, a vegetação cobria quase por completo o local do julgamento, a
luz da lua entrava apenas por uma deficiência da copa do enorme pinheiro que os
apadrinhava. Esse pedaço de luz, incidia precisamente em cima da pedra mármore.
O homem ainda preso, mexeu-se e gemeu, levando a mão disponível à cabeça que
lhe doía horrores. Francisco tirou da mochila um maço, adormecendo-o novamente com
uma violenta pancada na cabeça.
Estava na hora de fazer a cama. A
pedra era coberta de sumaúma e folha de pinheiro seca. Por cima, as cartas e os
desenhos feitos pela sua irmã. Ao centro uma fotografia dela, para que o
julgador, também ele visse, a singeleza do seu olhar, antes da violação. Pegou
no corpo do homem, colocou-lhe uma máscara de ferro, para lhe preservar a cara
intacta, amarrou-o com umas correntes de ferro e enquanto o deitava sobre a pedra, acordou-o. A máscara de ferro
tinha uma pequena abertura na frente, para que Francisco pudesse gozar as
várias expressões de dor, daquele demónio.
O homem pedia incessantemente
clemência. Francisco rezava, enquanto colocava um rastilho de pólvora nos
sulcos. Da mochila tirou um manuscrito com a descrição do primeiro segredo de
Fátima e pregou-o no tronco do pinheiro. Leu-o em voz alta:
“Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados neste fogo, os demónios e as almas, como se
fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas com forma humana, que
flutuavam no incêndio levadas
pelas chamas que delas mesmas saíam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em os
grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e
desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demónios
distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e
desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças
à nossa boa Mãe do Céu, que antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar
para o Céu. Se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.”
Pediu perdão
por aquele pecador e acabou por rezar a Nossa Senhora de Fátima, enquanto
pegava fogo à pólvora que estava nos sulcos. Francisco olhou o homem pela única
abertura da máscara de ferro e sorriu, ao mesmo tempo que se benzeu. O homem deixou de gritar, e as chamas acabaram por reduzi-lo a pó. A cabeça foi pendurada num pau, junto das outras.
Francisco sentou-se num tronco cortado e
deixou-se levar pela promessa que um dia o levariam para o céu.
E.M. Valmonte
fotografia de E.M. Valmonte |
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