Gosto tanto
disto. Enquanto faço a barba, oiço o ribombar de um estorninho. Ai se eu
pudesse estocar aqueles sons. Ai se eu pudesse ter aquela liberdade de agora
cantar e de amanhã voar. Ai se eu pudesse na terça, cagar lá de cima da torre
da igreja. Cagar para todos sem que ninguém me veja. Ai se eu pudesse, hoje
debicar destas nêsperas, sem ninguém me denunciar à vizinha que tem nariz de porca.
Ai se eu pudesse não cantar, nem ter que voar.
Ai se eu pudesse
…
Chorei, chorei…
se eu pudesse doar a dor, a quem me fez mal. Ai se eu pudesse sofrer por eles.
Não fossem as dores nas costas, e eu seria o mártir perfeito para sofrer por
pena. Não fosse a incómoda paixão e eu morreria por ti. Não fosse por ti, eu
morreria na mesma. Não fosse por mim e o que seria de ti? Sem mim, serias apenas
um pouco de mim à deriva.
Ai se eu
pudesse, ser de novo o Conan. Quem
serias tu, sem espaço para ser? Serias apenas um pedaço de mim, nas margens das
folhas pardas que usámos há quarenta anos, para nos declararmos à liberdade.
Ainda nesse tempo te disse que te amava. E hoje poderia dizer o mesmo, não
fosse o convencido estorninho interromper-me o barbear, com aquelas granjeadas
efusões de paixão. Distrai-me do amor. Distrai-me de viver depois de lavar os
dentes. Perfumo-me, compro pão e saio, para mais um dia, que se tiver fim, será
apenas mais um princípio de um granjear de mais um qualquer…estorninho.
E.M.Valmonte
Sem comentários:
Enviar um comentário