O nosso Cipras
também era de esquerda. Também ele ganhou as eleições da associação de
estudantes da escola secundária. Ganhou, porque a lista A, encabeçada por um
mini-homem de direita, daqueles que aos dezasseis anos já usava blazer, colete
e lenço ao pescoço, não conseguiu conquistar os eleitores de mecanotecnia.
Ganhou, porque as raparigas da turma de desporto achavam esse mini-homem
convencido e maniento. Efectivamente, ele puxava as calças Levi’s 501 demasiado
para cima, destapando por completo os tornozelos, asfixiando (presunção do
autor) os testículos, espalmando-os, o que sempre deu uma ideia de virilidade
achatada. As raparigas de dezasseis anos não gostavam disso. Para elas, as
perfeições tinham de ser imperfeitas.
O nosso Cipras
ganhou. O ping pong passou a ser gratuito, assim como os matraquilhos. Jogava-se sobe e desce clandestinamente, umas
vezes a dinheiro, outras a cigarros. Às quintas, o Caldas trazia haxixe. As
tardes eram todas livres. Livres de horários, responsabilidades, professores e
obrigações. Livres, de liberdade. Livres de culpa. Livres de ser livre. Livres
porque o nosso Cipras ganhou e nos deixava ser livres. Livres, porque ser livre
era ser um pouco imperfeito. E aquelas miúdas não gostavam de perfeições, que
não fossem de todo imperfeitas.
O nosso Cipras
foi destituído pelo conselho directivo, por excesso de imperfeição.
Assim era o
antiquado mundo da democracia.
E.M.Valmonte
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