Sempre tivera
medo de dormir. Como que a morte o empurrasse para baixo, sempre que os olhos
se fechavam. Aprendeu a viver com aquela sensação de um dormir mórbido de morte.
Ainda assim gostava de velórios. Gostava apenas dos velórios que não eram de
chorar. Encontrava sempre pessoas conhecidas, fumava cigarros e actualizava-se
nos mexericos da família. Sempre faltaram aos velórios, as genuínas lágrimas dos
que choram. Embora inerte e desfigurado, o morto acompanha os seus amantes,
dando-lhes um reconfortante sentido de eternidade. A morte, aparece ao som dos
primeiros torrões de terra seca a ecoar na madeira tratada. Nesse ribombar
gélido, surgem as primeiras lágrimas sentidas de quem foi ali para chorar. Uma luta entre David e Golias; um passado enterrado em veludo e um presente esculpido pelo
sol, rijo e calcado por solas gastas de vida. Parece o fim, o princípio da
morte. A ausência eterna da presença, sempre lhe provocou náuseas
incontroláveis. Parece mesmo o fim.
Ontem
emocionou-se ao ver uma filha a despedir-se de sua mãe, pela última vez. Via-se
que aquela mulher sabia que nunca mais iria ver a carne que lhe compunha a
cara. Sabia, que nunca mais a cheiraria ou lhe cofiaria os cabelos. Sabia, que
nunca soube como é que tudo acabaria. Afinal não sabia que as mães também
morrem, deixando os filhos órfãos de conduta.
Último beijo
numa cara já decomposta.
Nesses minutos,
chorou incessantemente de ser vazio.
Também ele
chorou. Ele era daqueles que foi lá para chorar.
Nuno Miranda de Torres
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