segunda-feira, 24 de junho de 2013

Homem-Folha




se eu fosse um homem-folha
viesse o vento e me deixasse cair
no campo de flores coloridas
que as tuas mãos
escavavam
plantavam
regavam
podavam
colherias mais tarde
mensagens de ternura
cravadas no tronco
de quem fizeste árvore

nas minhas raízes
correrá o que me ensinaste
a minha copa será das mais altas
como foram os teus desejos
na sua sombra, o reflexo
de quem brindou com sorrisos
os meus vícios de querer crescer

amanhã estarei noutro jardim
serão então as minhas folhas
que te entrarão na janela
e num rodopio constante
voltaremos a brincar
apenas o tempo
que demora a saudade

a saudade do teu regador
a saudade das tuas mãos
a saudade da tua água
a saudade da tua terra
a saudade do teu jardim

a saudade de ti



(*) foi assim que o meu filho se despediu das suas educadoras.   



terça-feira, 11 de junho de 2013

Saber o que cheira a café de cafeteira



amanhã acabo
o que falta pintar
do quarto onde me morro
atávico cantinho deplorável
de morrer sozinho
pequeno
húmido
como a memória de ontem
esqueceu as servidões
dos medos
do cheiro de café dos avós
na taberna
o cheiro a enxofre
colhe o saber de chofre
não há fim neste caminho
nem no pergaminho
do poeta
mais incauto


lembraste-me
que não posso morrer fora daqui
forrei as janelas
cega-me depender delas
tranquei a porta por fora
não aguento mais a demora
de não saber
viver

de ainda não saber...

cheira-me a café
de cafeteira


e.m.