segunda-feira, 29 de abril de 2013

Chamem os velhos



chamem os velhos
que os caminhos estão cobertos
de muito presente
as almas efebas dos transeuntes
de hoje
cheios de passado
cheiram a um mofo envinagrado


é suor que não escorreu
chamem os velhos
que ele não morreu

e.m.

sábado, 13 de abril de 2013

Encontrou o que sempre desejou


Estava sol. Um belo dia para os comerciantes, principalmente para um comerciante que inaugurava naquele mesmo dia a sua loja. Os sinos da igreja marcavam o compasso do início da manhã. A pequena população da aldeia, espreitava como as crianças espreitam para uma vitrina de bolos e as primeiras sensações de inquietude roliçavam, primeiro nas mulheres, enquanto os homens escondiam o temor, enchendo o peito de confiança.
Pelo menos naquela plateia, parecia que todos tinham medo, de ter medo.

À hora marcada, a nova loja da aldeia abria as suas portas como prometido, mas ninguém entrou, nem mesmo os tais homens debutantes de coragem. Ninguém entrou, nas duas semanas seguintes, a não ser um homem, que nada tinha de diferente de todos os outros homens, à excepção de não ver. Não via desde os sete anos, quando a mãe involuntariamente lhe derramou óleo a ferver sobre os olhos. Nunca mais viu e também nunca mais amou. No dia em que soube que nunca mais conseguiria ver, perdoou a mãe acariciando-lhe a face procurando o local perfeito para a beijar. A mãe, não se perdoou e matou-se, cegando-se primeiro, antes de se enforcar na capela da aldeia.
Foi este homem, sedento de vista e de amor, o primeiro freguês daquela loja que Deus decidiu não abençoar desde o início. O destino protege os seus filhos. Este homem preferia não ouvir, pelo menos os tamborilares dos sinos da igreja. Foi naquele maldito campanário que a sua mãe liquidou todas as suas dívidas de consciência.

Já dentro da loja, encontrou o que sempre desejou...


e.m.


domingo, 7 de abril de 2013

O manifesto do Joaquim


Estás feio
magro
doente
e sujo
do pó dos teus livros
da cinza dos fiéis cigarros
a fuligem dos que te enganam
-Desculpa!
dos que te amam…

dos abraços de outrora
fazes foice nas tuas pernas
e dos olhares de soslaio…
a leve pena que te assusta
agora martelo que te custa
de seres memória no fumo que expiras

É melhor fecharmos o livro
sem marcador nem vinco na página
talvez o leias mais tarde
quando o corpo, a alma e o medo
deixarem de sofrer contigo

acho que quero morrer
mas não completamente só
sozinho serei fascista do tempo
e dói!
dói tanto como doeu ontem
quando me estatelei no chão
e na terra onde nasci
nada me acolheu senão a dor

a minha admirável dor…
de estar só
de ser apenas eu
e esta maldita morte
que não me larga o pensamento

que um dia quis ser livre.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

...



querer apor um título
no chapéu de coco de um poema
nas virilhas de um romance
não se rejuvenesce sem um dilema
de as letras não se exprimirem
o resto do que pode ser nada
depende do título
quem não chora ao primeiro olhar?
vive cego no titubear do ímpeto
de ser velho antes de amar
os rios também correm pró rio
talvez o mais nobre título do mar
tentem ter estrelas antes da noite
ou a morte antes de chorar
 
E agora?
falta um título


falta logo a pequena parte
uma meia dúzia de letras
na diferença de ser arte. 



e.m.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

A terra da estrela



quanto mais alto
mais se sonha
no alto
são puras as vaidades
dos outros e dos cobardes

se não fosse tão alto
quereria deus lá viver
no chão onde
não se pode sofrer com lágrimas

quanto mais alto
mais branca a saudade
fincam-se os dedos na terra
até se lavrar o sangue
a água escorre pela serra

se te inebria o alto
então desce
se não te equilibras na imensidão
então desce para ser simples

no alto não se verga a vergonha
sente-se um pequeno traço de medo
de ti e de quem te desenha
desce
para te curvares sem dor

o medo
esse descerá contigo
enfiado no postigo
enquanto espreita a glória de um corpo

apenas os corpos se vangloriam
de uma vertiginosa alma carente

é melhor descer...

se ainda existir alguma estrada
que apenas desça



 e.m.