sexta-feira, 25 de abril de 2014

Proibir o incontestável valor

se o olhar de frente
para o mendigo presente
queira a fome que se sente
num país que a alma ressente(mente)

acordou, os olhos fechados
das laganhas das entranhas
revolução à custa das gadanhas
que soltaram os envergonhados

da vergonha de respirar fundo
da vergonha
         de uma parte do mundo


se o olhar de frente
e ainda existir presente


E.M. Valmonte

Partes de um epitáfio



Que se celebre o dia em que eles juntarem a liberdade e a vontade de ser livre. Se porventura existir um homem que conquiste a liberdade, então o outro perderá a vontade de ser livre.


E.M. Valmonte

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Maria da Nazaré teve, ontem, um abundante período menstrual



Das viscosidades sentia-se um forte cheiro a mofo. Afinal, não passavam de viscosidades repetidas, fruto de recalcadas desilusões.

Foi à igreja, porque gosta do silêncio e da esperança que a ressurreição lhe dá. Ajoelhou-se, lembrando o que S.Lucas escreveu sobre Jesus:


Todos os que o ouviam ficavam maravilhados com a sua capacidade intelectual e com a maneira como comunicava as suas conclusões.” (Lucas 2:47)


Ela sabia que o marido chegaria a casa a cheirar a vinho barato e que certamente quereria penetrá-la com toda a força, numa orgia imaginária própria de um gladiador. Esta altivez demorará mais tempo que as outras. Por fim, voltará como sempre voltou, ao seu estado de entorpecimento vaidoso.

Ficou mais um pouco, saboreando o silêncio e a brisa fresca. Nestes momentos, o silêncio como que fecha os olhos, não deixando entrar esta imensidão de luz, que amanhã se apagará.


E.M. Valmonte

terça-feira, 15 de abril de 2014

Velas que queimam caminhos.



Achamos sempre que estamos a meio da vida, mesmo que os aniversários digam, que metade de uma vida é mais pequena do que a outra metade.

Querem os poetas viver mais que os homens. A metade da vida de um poeta chega a ser quase uma vida inteira. É por isso que eles morrem quando se matam.



Há mais de meia vida que nasceu E.M.Valmonte. 


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Se eles ainda me quiserem

É emigrante o que sentir saudade
                de casa e do pastel
                               de bacalhau e de vinho
                                               tinto na voz do fado
                                                               trinado que o enfada


É de casa que se vertem lágrimas
                hoje distam apenas os abraços
                               os beijos nos regaços
                                               as mães e os temperos
                                                               de solidão e desesperos

  
de dia esqueço
                de noite adormeço
                               de dia começo
                                               de noite pereço


um dia volto
como se voltar fosse esquecer
que perdi os dias
que eram apenas dias
que eram de viver

volto velho
contente pela venda
vendado pela contenda
de me ter vendido novo

volto se voltar
se eles ainda me quiserem


E.M. Valmonte

sexta-feira, 4 de abril de 2014

De ontem trouxe o passado

de ontem trouxe a trouxa
que hoje levo levando
amanhã frouxa, que afrouxa

o que me vou lembrando
na calçada da rua, debuxa
a vida, vivendo, de vez em quando


E.M. Valmonte