sábado, 1 de março de 2014

Quando sofreres de solidão

Ainda te escrevo cartas. Como as que te escrevia, quando não se morria de desgosto. Gosto de pensar que gostas de receber correio. Gosto de pensar que ainda gostas de mim, mesmo que eu esteja dentro de uma carta manuscrita e não te possa agarrar e lamber, como te lambia, quando não se morria de desgosto. Sei que esta carta pode ser recebida pelo homem com quem vives e que isso vos poderá separar, mesmo que eu não possa sair deste maldito envelope. É por isso que te escrevo uma carta manuscrita, comigo lá dentro. Gosto de te ver furiosa, como nos dias em que não se morria de desgosto. Não gosto de pensar que esse homem te toca, mesmo que ao de leve. Sei que enquanto me estiveres a ler, não terás coragem de ser tocada. Também por isso, a minha carta é tão extensa. Para que ele não te toque da mesma forma encantadora que eu te tocava, quando não se morria de desgosto. Mas agora lê-me. Fá-lo devagarinho, como se estivesses a morrer de desgosto. Será de novo o nosso tempo. Será de novo uma tarde de calor, igual a muitas outras que passámos de mão dada, quando era esse insidioso desgosto que morria por nós. Lê-me e finge que sofres de solidão. Não tenho a certeza que me abras o envelope. Nem que me queiras ler de novo. Não tenho a certeza que alguma vez me tenhas lido. Ardeste-me sempre na fogueira mais próxima. Sinto que me voltaste a amarrotar. Mais uma bola de papel encestada na lareira. Morri novamente…desta vez de desgosto. Voltarei a escrever-me, quando sofreres de solidão.


E.M.Valmont

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