sábado, 21 de junho de 2014

Por ter passado tanto tempo, a maionese azedou

Parece que a noite
se encarrega de esconder
a vergonha, do que se afoite
mesmo não tendo o que se ser
falta apenas o barulho
das tampas dos caixotes
de onde se tiram verdadeiros lingotes
de espinhas e molho mostarda
de carne mal mastigada
ao infortúnio da vida, mal passada
lamber depois de sorver
as últimas gotas de gasosa
seria então mais que viçosa
a cabeça de gamba não chupada
numa porção disforme de maionese
falta uma mulher de diocese
um brinde, o prazer que provinde
do sexo, sem nexo de ser
à bruta, que não há fruta
a maionese azedou
do tempo que passou
entre o luxo e o lixo
o alto e o baixo
o rico e o pobre
o fresco e o estar podre
por ter passado tanto tempo
a maionese azedou
ficou também ela estragada
o homem quase morreu
sem dar por isso, ou quase nada
acabou por sentir uma pontada
que o estatelou no chão
de onde nunca saiu
o cabelo estremunhado
deixava cair, o desmazelado
que o homem se sentiu
todo torto, talvez morto
alguém que lhe chupe a cabeça
que morto, nada há que o impeça

E.M. Valmonte


fotografia de E.M. Valmonte


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