quinta-feira, 12 de junho de 2014

Se fosse coxo, devolvias-me à terra?







Depois de o abrir, vi que a capa dura estava ligeiramente amarrotada. Tinha levado uma agrura da vida. A multidão gritava - «Devolve, devolve, devolve» e eu, precipitadamente, pensei nisso. Se tem defeito, é para devolver. E não é isso que fazemos todos, a tudo e a todos que têm defeito?

Mas este livro, tal como a mulher que amo, é de apenas um exemplar e difícil de conquistar. Li as duas primeiras páginas, como se tivesse a dar o primeiro beijo, no campo de ténis, atrás da escola primária do avião. E não me poderei apaixonar em apenas duas páginas e um beijo?


A multidão continuava em uníssono- «Devolve, não presta, devolve, devolve». 


Levei o livro para casa, ainda que, com aquele sentimento que eu mereceria melhor. Mas também não mereceria melhor dono, este pobre enjeitado? Estaremos bem um para o outro na desilusão, mas também na devoção e no amor. Embora com essa capa dura desfigurada, tenho a certeza que não serás menos Herberto Helder. E também não darás menos prazer. E porque te salvei da fogueira, será que me podes dar um segundo beijo?

E.M. Valmonte


5 comentários:

  1. Essa capa dura, desfigurada, torna-o seu. A partir de agora passará a ler o livro, em vez de ser um livro.
    :)

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  2. É isso. Provavelmente um herberto Hélder com a capa num enxovalho, mais ninguém tem. É inevitável dar mais valor ao interior do livro. Se isto pega moda, passam a vender os livros com um martelinho incorporado.

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  3. gostei muito do teu blog! Parabéns!

    Vou passar cá mais vezes:)

    http://fromportugaltonyc.blogspot.com

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    1. Obrigado. Passa, que haverá sempre mais um lugar à mesa.

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  4. Uma capa levemente amarrotada que deu-se num texto prazerosíssimo!
    Um beijo e excelente leitura tal qual a que tenho aqui sempre que venho.

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