quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Diário de um pai - dia 2 (19.08.2015)

A nave espacial

A luta pela sobrevivência, talvez seja a luta mais sem escrúpulos que se pode travar. São constantes as apunhaladas nas costas sem aviso prévio. São ataques de cobardia que os homens não estão habituados a enfrentar.

Agora imagine-se um pai a lutar pela sobrevivência de um filho. Esta luta, trincheira desgraçada que nos tira os sonhos, que faz chorar homens vergados pelo medo de não ser capaz.
Como é que se ama um filho atrás de uma incubadora? Não se toca, não se abraça, não se dá de mamar, não se põe a arrotar… não se sabe se vai viver, apetece-nos morrer. Ama-se chorando às escondidas.

Máquina do tempo desgraçada que nos projecta o futuro; o presente é um cone de luz intensa sem barreiras nem degraus.
A nave espacial está pronta para descolar. Liguem os tubos, controlem o oxigénio, as pulsações e as saturações. Coloquem a morfina e espetem um tubo no tórax para drenar esse maldito ar que foi para a pleura.

A nave arrancou.

Sabemos que viajamos nela, agarrados pelos polegares.

Nem sei a força com que me devo agarrar. Se ao menos soubesse o tempo da viagem. Tenho medo de me agarrar com muita força e não aguentar o tempo total da viagem. Tenho medo de me agarrar ao de leve e ser cuspido. 

Tenho medo. 
Tenho mesmo muito medo.


Nuno Miranda de Torres

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