domingo, 23 de agosto de 2015

Diário de um pai à rasca - dia 6 (23.08.2015)

Nova espécie

Trago para casa aquele cheiro a hospital. Não me sai das mãos, das narinas e de dentro de mim. Trago os apitos sonoros e os nomes das enfermeiras. Trago o esgar de preocupação das médicas e também a sensação de que se estão a tornar impotentes. Só não trago, o que devia trazer. Trago uma enorme sensação de culpa de me vir embora e essa custa a sair. Culpo-me até de respirar livremente, coisa que o meu filho não consegue fazer. 

Sinto-me mau pai pelo facto de vir para casa. Sinto-me mau pai de ver televisão. Sinto-me mau pai, porque de vez em quando consigo sorrir. Sinto-me mau pai…por ainda não ser realmente um pai de verdade.

Todos me dizem que é um processo lento, mas para mim já passou mais tempo do que eu acharia que conseguia resistir.
Sei mudar a fralda, sei jogar à bola, sei cuidar de feridas. Apenas não sei cuidar de um maldito pneumotórax que teima em não cicatrizar.

Os ombros encurvam, o pescoço baixa ligeiramente, os olhos afundam e os braços caiem inertes.

Talvez seja mesmo uma nova espécie de homem que aqui se inicia. 

Nuno Miranda de Torres

2 comentários:

  1. Esperança. Da muita. É aquilo que agora não pode faltar.

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    1. E eu tenho. Sei que no final, tudo irá estar bem.
      Obrigado pelo apoio.

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