sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A Clara partiu o braço quando fugia dos dragões.

Se eu fosse um rapaz de verdade, tinha uma espada de madeira e defendia a única princesa do reino. Tínhamos uma casa na árvore e uma escada de liamba. O vento batia-lhe nos cabelos e trazia-me o cheiro a amêndoa. Ajudava-a a descer pelo tronco, quando a mãe a chamava para o jantar. A espada de madeira, presa nas presilhas das calças, dificultava a saída airosa do reino e sempre me deu um ar atabalhoado ao entregar a princesa ao mundo dos crescidos. Ela, de vestidos de abas largas, movia-se sempre como se voasse e cada dia que passava, por cada dente frontal que me caía, mais se elevava o desejo e a vergonha de me tornar o seu único rei, para todo o sempre.
Trocávamos o lanche como os crescidos trocam o desejo de estar juntos. Afinal era amor, mesmo que fosse em ponto pequeno. Afinal era amor…
Um dia, Jaime e os restantes rapazes atacaram o nosso castelo. Desembainhei a espada, tirei a flor da minha lapela, fechei-a na mão de Clara e corri, gritando como um herói cheio de coragem. Estava disposto a matar e também por isso, sabia que podia morrer.

Lutei como nunca o fizera antes. Clara tropeçara a fugir e partira o braço. Defendera-a, como se defende a vergonha do dia seguinte. Talvez por isso, tenha sido eu o primeiro a escrever-lhe no gesso do braço. “Uma espada de madeira, também defende um reino”. Clara abriu a mão, devolvendo-me a flor à lapela.



E.M Valmonte

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